quarta-feira, 28 de março de 2012

Escarrar-se


Pude sentir a saliva acumulada debaixo da língua, oferecendo-me aquele gosto de apatia, que mal me deixava agir ou pensar. Não via as minhas cores no reflexo do espelho. Eu já não me pertencia, já não podia ser. E passei a não ser, segundo após segundo. Sorriam-me os dentes na boca e entupiam-me daquele tanto de não ser nada.

O sol pela manhã revelava o marasmo da minha sombra; sombra de carne, osso e sangue. Sangue que parecia estagnado dentro das minhas veias. Só podia sentir a minha vida, inflamada na boca do meu estômago. E, por vezes, eu quase que a expurgava. Só o não fazia, pois ela já não era minha.

Nas calçadas, caminhavam meus pés como que por instinto, buscando chegar a caminho algum. Se as pessoas passavam por mim, bom dia eu já não dava, apenas exibia -sem querer- a cara que me vestiram. E assim, passava.

As pessoas se entrecruzando faziam míopes os meus olhos, que naquela altura já não conseguiam mais brilhar. O som, urbanado dos carros, invadia – sem alardes - os meus ouvidos; fazendo ecos que eu não podia identificar ao primeiro estímulo. Até o barulho de chuva que fazia o irrigador, e que outrora eu apreciava, causava-me estranhezas. Todos aqueles ruídos se dissipavam no vácuo que eu havia me transformado.

Sentia-me o desentusiasmo minando o ímpeto de tempos passados, que, como uma água corrente, desaguaram-se em nostalgia morta. A verdade é que quando eu achei que me bastava, nem a mim eu tive.  E lá ia eu – com o meu andejado maquinal - atrás dos meus objetivos e fantasmas de vida. Objetivos que se inertiaram em meu ser, que já não o era, e fantasmas que eu alimentava com os meus medos.

Os cacos de minha alma, represados à margem daquele corpo, que já não me pertencia, apontavam-se para despertar. Eram os espasmos de vida, que o mundo obrigava-me a ter: aquelas saídas que não existem, mas que te torturam para tal.

A esperança que tanto mendiguei a mim, e por vezes, fui ignorado, parecia nascer num deserto, como um cacto espinhento, que perfura a sua própria superfície, mal cabendo-se em seu corpo. Como se a alma explodir-se-ia à vida. E como combustão daquela inconsciência, eu escarrei...


Bruno Figueira

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