Pude sentir a saliva acumulada debaixo da língua, oferecendo-me aquele
gosto de apatia, que mal me deixava agir ou pensar. Não via as minhas cores no
reflexo do espelho. Eu já não me pertencia, já não podia ser. E passei a não
ser, segundo após segundo. Sorriam-me os dentes na boca e entupiam-me daquele
tanto de não ser nada.
O sol pela manhã revelava o marasmo da minha sombra; sombra de carne,
osso e sangue. Sangue que parecia estagnado dentro das minhas veias. Só podia
sentir a minha vida, inflamada na boca do meu estômago. E, por vezes, eu quase
que a expurgava. Só o não fazia, pois ela já não era minha.
Nas calçadas, caminhavam meus pés como que por instinto, buscando chegar
a caminho algum. Se as pessoas passavam por mim, bom dia eu já não dava, apenas
exibia -sem querer- a cara que me vestiram. E assim, passava.
As pessoas se entrecruzando faziam míopes os meus olhos, que naquela
altura já não conseguiam mais brilhar. O som, urbanado dos carros, invadia –
sem alardes - os meus ouvidos; fazendo ecos que eu não podia identificar ao
primeiro estímulo. Até o barulho de chuva que fazia o irrigador, e que outrora
eu apreciava, causava-me estranhezas. Todos aqueles ruídos se dissipavam no
vácuo que eu havia me transformado.
Sentia-me o desentusiasmo minando o ímpeto de tempos passados, que, como
uma água corrente, desaguaram-se em nostalgia morta. A verdade é que quando eu
achei que me bastava, nem a mim eu tive.
E lá ia eu – com o meu andejado maquinal - atrás dos meus objetivos e
fantasmas de vida. Objetivos que se inertiaram em meu ser, que já não o era, e
fantasmas que eu alimentava com os meus medos.
Os cacos de minha alma, represados à margem daquele corpo, que já não me
pertencia, apontavam-se para despertar. Eram os espasmos de vida, que o mundo
obrigava-me a ter: aquelas saídas que não existem, mas que te torturam para
tal.
A esperança que tanto mendiguei a mim, e por vezes, fui ignorado,
parecia nascer num deserto, como um cacto espinhento, que perfura a sua própria
superfície, mal cabendo-se em seu corpo. Como se a alma explodir-se-ia à vida.
E como combustão daquela inconsciência, eu escarrei...
Bruno Figueira